sexta-feira, 8 de abril de 2011

Dos chatos




     O maior chato é o chato perguntativo. Prefiro o chato discursivo ou narrativo, que se pode ouvir pensando noutra coisa... Me lembro que fiz um soneto inteiro - bem certinho, bem clássico e tudo - durante o assalto ao Quartel do Sétimo, isto é, quando um veterano de 30 me contava mais uma vez a sua participação nas glórias e perigos daquela investida.
     As velhotas que nos contam seus achaques também são de grande inspiração poética.
     Mas  que   fazer  contra   a  amabilidade  agressiva  do  chato  solícito?   Aquele  que  insiste  em   pagar  nossa passagem,  nosso cafezinho,  ou quer levar-nos à força para um drinque,  ou faz questão fechada de nos emprestar um livro que não temos a mínima vontade de abrir.
     Ah!  ia-me  esquecendo  dos  proselitistas  de  todas  as  religiões.   Os  proselitistas amadores;   que  são os piores. Quanto aos sacertodes que conheço, registre-se em seu favor que eles sempre me falam de outras coisas. Ou me julgam um caso perdido ou um caso garantido. Bem, qualquer que seja o caso, deixam-me em paz.
     O que pode acontecer de mais chato no mundo é o chato que se chateia a si mesmo, o autochato.
     Para  essa  extrema  contingência,  descobri em  tempo que a última  solução não é o suicídio.  É escrever, desabafar para cima do leitor, o qual, se me leu até aqui, a culpa é toda dele.
     Há gente para tudo.

Mario Quintana (Caderno H, p 327)

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