domingo, 16 de janeiro de 2011

Vamos avoar?



     Andávamos  por   um  caminho ao  longo  de  um  capinzal,  que o  vento  da  manhã  ondulava  a  perder de vista. Íamos a favor do vento que nos levava para a frente, sempre e sempre para a frente.
     - Vamos avoar naquela água? - propôs Lili.
     - Como?! Repete isso.
     Não  repetiu.   Essas  coisas  não  se  repetem.  A  verdade é  que  fiquei   atônito  e   agradecido.  Era  que, naquele tempo, Lili tinha cinco anos e, em matéria de cultura poética, apenas conhecia, ao que eu soubesse, certo hino que cantavam no Jardim da Infância e onde apareciam, creio que em estribilho, as harmoniosas mas inesperadas sílabas do nome do Dr. Celeste Gobato.
     Ora,  apenas com essa mostra da  poesia antiga e desconhecendo  completamente a moderna,  Lili acabava de demonstrar, com a insuspeita inocência de seu exemplo, o quanto a nova poética é por si natural.
     Como uma pequenina Mademoiselle Jourdam de saia florida e franjinha esvoaçante, estava fazendo poesia sem querer. E poesia moderna, dessa que gente grande teimava em não aceitar, devido às limitações da lógica adulta.
     Havia ali uma interpenetração das imagens - não sucessivas, não ligadas por "assim como" - e sem menção prévia do objeto que as fizera brotar. Puro Mallarmé, mas espontâneo, sem as suas custosas elaborações.
      Um poeta lógico (!) começaria assim:
      "Ondula o verde canavial ao vento"
      ("capinzal" ele não diria, não, por mal agradecidos escrúpulos cavalares.)
      "Ondula o verde canavial ao vento,
      Tal como, ao vento, ondula, verde, o mar."
      E assim por diante. Tudo bem claro, ritmado, lógico.
      Mas onde a magia daquele teu poeminho de um só verso, Lili?

Mario Quintana (Caderno H, p 348)



Imagem: www.deviantart.com

Um comentário:

  1. .

    Lu,

    saudades, menina querida!

    Respondi teu email, você viu?

    Pensei na possibilidade de ter ido para o spam, portanto, se não viu a resposta, procura por lá.

    Lindo! Lindo! Lindo!
    Sempre surpreendendo com as escolhas que fazes do Quintana.

    Beijos de saudades muitas.

    .
    .

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