domingo, 6 de fevereiro de 2011

Canção do amor imprevisto



    Eu sou um homem fechado.
    O mundo me tornou egoísta e mau.
    E a minha poesia é um vício triste,
    Desesperado e solitário
    Que eu faço tudo por abafar.

    Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
    Com o teu passo leve,
    Com esses seus cabelos...

    E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender nada, numa alegria atônita...

    A súbita dolorosa alegria de um espantalho inútil
    Aonde viessem pousar os passarinhos!


    Mario Quintana (Canções, p 62)



Citando Fernando Pessoa... 
(sob pseudônimo de Alberto Caeiro)

O pastor amoroso 

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma cousa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

(10-7-1930)

Fonte: (O Eu profundo e os outros Eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p 167) 






Imagem: www.deviantart.com

Um comentário: