domingo, 29 de maio de 2011

Outono




    O outono de azulejo e porcelana
    Chegou! Minha janela é um céu aberto.
    E esse estado de graça quotidiana
    Ninguém o tem sob outros céus, decerto!

    Agora tudo transluz... tanto mais perto
    Quanto mais nossa vista se alontana...
    E o morro, além, no seu perfil tão certo,
    Até parece em plena vida urbana!

    Tuas tristezas o que é feito delas?
    Tombaram com as folhas amarelas
    Sobre os tanques azuis... Que desaponto!

    E agora esse cartaz na alma da gente:
    ADIADOS OS SUICÍDIOS... Simplesmente
    Porque é abril em Porto Alegre... E pronto!

    Mario Quintana (Preparativos de viagem, p 63)



     Imagem: www.weheartit.com

sábado, 28 de maio de 2011

Ainda e sempre




Digam o que disserem, mas a Lua continua sendo o LSD dos poetas.

Mario Quintana (Caderno H, p 257)



Imagem: www.weheartit.com

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Gramática da felicidade


     Vivemos conjugando o tempo passado (saudade para os românticos) e o tempo futuro (esperança, para os idealistas). Uma gangorra, como vês, cheia de altos e baixos - uma gangorra emocional. Isto acaba fundindo a cuca de poetas e sábios e maluquecendo de vez o Homo sapiens. Mais felizes os animais, que, na sua gramática imediata, apenas lhes sobra um tempo: o presente do indicativo. E que nem dá tempo para suspiros...

Mario Quintana (A vaca e o hipogrifo, p 65)








Imagem: www.weheartit.com

terça-feira, 24 de maio de 2011

O visitante matinal



Para que nomes? Era azul e voava...

Mario Quintana (Preparativos de viagem, p 77)



 Imagem: www.weheartit.com

sábado, 21 de maio de 2011

O luar




O luar é a luz do sol que está sonhando...

Mario Quintana (Preparativos de viagem, p 125)








 Imagem: www.weheartit.com


sexta-feira, 20 de maio de 2011

O poeta canta a si mesmo


    O poeta canta a si mesmo
    porque nele é que os olhos das amadas
    têm esse brilho a um tempo inocente e perverso...

    O poeta canta a si mesmo
    porque num seu único verso
    pende - lúcida, amarga -
    uma gota fugida a esse mar incessante do tempo...

    Porque o seu coração é uma porta batendo
    a todos os ventos do universo.

    Porque além de si mesmo ele não sabe nada
    ou que Deus por nascer está tentando agora ansiosamente respirar
    neste seu pobre ritmo disperso!

    O poeta canta a si mesmo
    porque de si mesmo é diverso.

    Mario Quintana (Esconderijos do tempo, p 73)


     Imagem: www.deviantart.com

quinta-feira, 19 de maio de 2011

A oferenda




    Eu queria trazer-te uns versos muito lindos...
    Trago-te estas mãos vazias
    Que vão tomando a forma do teu seio.

    Mario Quintana (Esconderijos do tempo, p 38)


     Imagem: www.weheartit.com

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Drácula e os pesquisadores



     O que chateia nos filmes de vampiros não são os ditos vampiros - em geral uns verdadeiros amores no gênero - mas aqueles dois indefectíveis personagens: um que acredita em tudo e outro que não acredita em nada... Falta-lhes o espírito de disponibilidade - que talvez não seja apenas uma característica do homem moderno, e sim do homem eterno. Ou, no mínimo, do leitor inteligente.

Mario Quintana (Porta giratória, p 34)




Imagem: www.weheartit.com

terça-feira, 17 de maio de 2011

Uma frase para álbum




     Há ilusões perdidas mas tão lindas que a gente as vê partir como esses balõezinhos de cor que nos escapam das mãos e desaparecem no céu...

Mario Quintana (A vaca e o hipogrifo, p 278)
  








Imagem: www.deviantart.com

domingo, 15 de maio de 2011

Da amizade


A amizade é uma espécie de amor que nunca morre...

Mario Quintana (Porta giratória, p 137)





Citando Caio Fernando Abreu...


(A Vera e Henrique Antoun, 23.12.71)

         "meus queridos: imaginem um mundo de coisas limpas e bonitas, onde a gente não seja obrigado a fugir, fingir ou mentir, onde a gente não tenha medo nem se sinta confuso (não haverá palavra nem a coisa confusão, porque tudo será nítido e claro), onde as pessoas não se machuquem umas às outras, onde o que a gente é apareça nos olhos, na expressão do rosto, em todos os movimentos - acrescentem a esse mundo os detalhes que vocês quiserem (eu me satisfaço com um rio, macieiras carregadas, alguns plátanos e uma colina - ou coxilha, como se diz aqui no Sul - no horizonte), depois convidem pessoas azuis para se darem as mãos e fazerem uma grande concentração para concretizar esse mundo - e, então, quando ele estiver pronto, novo e reluzente como se tivesse sido envernizado, então nós nos encontraremos lá e eu não precisarei explicar nada, nem contar nenhuma estória escura, porque estórias claras estarão acontecendo à nossa volta e nós estaremos sendo aquilo que somos, sem nenhuma dureza, e o que fomos ficou dependurado em algum armário embutido, junto com sapatos (quem precisará deles para pisar na grama limpa dessa terra?), roupas e enfeites (quem precisará de panos, contas ou cores na terra onde o ar será colorido e enfeitará nossos corpos?) - lá, eu digo, nós nos encontraremos entre centauros, sereias, unicórnios e duendes, e sem dizer nada, com um olhar verde (uma das minhas grandes frustrações sempre foi não ter olho verde - mas lá eu terei) eu direi o quanto gosto de vocês, e voaremos de tanta boniteza - combinado?"

(Caio 3D: O essencial da década de 70. Rio de Janeiro: Agir, 2005. p 301)




Imagem: www.deviantart.com

sábado, 14 de maio de 2011

Exame de inconsciência




     Há noites em que não posso dormir de remorsos por tudo o que deixei de cometer.

Mario Quintana (Caderno H, p 335)




Citando Carlos Drummond de Andrade... 


Estrambote melancólico
  
Tenho saudade de mim mesmo, sau-
dade sob aparência de remorso,
de tanto que não fui, a sós, a esmo,
e de minha ausência em meu redor.
Tenho horror, tenho pena de mim mesmo
e tenho muitos outros sentimentos
violentos. Mas se esquivam no inventário,
e meu amor é triste como é vário,
e  sendo vário é um só. Tenho carinho
por toda perda minha na corrente
que de mortos a vivos me carreia
e a mortos restitui o que era deles
mas em mim se guardava. A  estrela-d'alva
penetra longamente seu espinho

(e cinco espinhos são) na minha mão.


Fonte: (Antologia Poética. Rio de Janeiro: Record, 1986. p 40)





Citando Fabio Rocha... 

Tudo pelos ares

Somos anjos perdidos.
Asas mortas no chão
desde a primeira audição
da palavra impossível.


Fonte: A Magia da Poesia


sexta-feira, 13 de maio de 2011

Não sou supersticioso




     ... mas o 13 é o meu número de sorte. Por motivos de ordem sentimental. Só porque todo o mundo tem medo dele...

Mario Quintana (Porta giratória, p 145)



Imagem: www.deviantart.com

terça-feira, 10 de maio de 2011

Hai-kai de primavera


    Tua orelha num frêmito desnuda-se:
    O que seria
    O que seria que te disse o vento?!

    Mario Quintana (Preparativos de viagem, p 41)



     Imagem: www.deviantart.com

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Do pensamento




     Eu penso em ti. Sabias que isso é uma coisa maravilhosa? A primeira criatura que pensou numa outra criatura ausente, como deve ter-se espantado! Não sabia que se tratava do seu primeiro pensamento humano.

Mario Quintana (Caderno H, p 363)






Imagem: www.deviantart.com

domingo, 8 de maio de 2011

Fatos consumados



... e se eles te apertarem muito sobre o que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhes apenas o que Deus quis dizer com este nosso mundo.

Mario Quintana (Caderno H, p 373)



Imagem: www.deviantart.com

sábado, 7 de maio de 2011

Hai-kai



     Silenciosamente
    sem um cacarejo
    a Noite põe o ovo da lua...

      Mario Quintana (A cor do invisível, p 41)







Imagem: www.deviantart.com

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A tentação e o anagrama



   quem vê um fruto
   pensa logo em furto

    Mario Quintana (A vaca e o hipogrifo, p 111)









Imagem: Lu Tostes

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Parábola


     A imagem daqueles salgueiros nágua é mais nítida e pura que os próprios salgueiros. E tem também uma tristeza toda sua, uma tristeza que não está nos primitivos salgueiros.

Mario Quintana (Sapato florido, p 61)



Imagem: Claude Monet ("Salgueiro chorão", 1919)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Do ideal


     As lagartas não podem acreditar na lenda das borboletas - tão antiga entre o seu rastejante e esforçado povo... mas sua felicidade consiste em relembrar, às vezes, o absurdo e maravilha desse velho sonho: o de se transformarem, um dia, em borboletas.

Mario Quintana (Caderno H, p 290)



Imagem: www.deviantart.com

terça-feira, 3 de maio de 2011

A revelação



     Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente... E não a gente a ele!

Mario Quintana (A vaca e o hipogrifo, p 166)


Imagem: www.deviantart.com

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Vida


    Não sei
    o que querem de mim essas árvores
    essas velhas esquinas
    para ficarem tão minhas só de as olhar um momento.

    Ah! se exigirem documentos aí do Outro Lado,
    extintas as outras memórias,
    só poderei mostrar-lhes as folhas soltas de um álbum de imagens:
    aqui uma pedra lisa, ali um cavalo parado
    ou
    uma
    nuvem perdida,
    perdida...

    Meu Deus, que modo estranho de contar uma vida!

    Mario Quintana (Esconderijos do tempo, p 45)


     Imagem: www.deviantart.com

domingo, 1 de maio de 2011

O dragão





     Na volta da esquina encontrei um dragão.
     - Que belas escamas, senhor dragão! Que luminoso laquê! E as chamas que deitais por vossa goela têm o colorido e o movimento de um balê! E que padrão heráldico, Excelência, que...
     O dragão saiu se reboleando.

Mario Quintana (Caderno H, p 82)



Imagem: www.deviantart.com