sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A pedra e o grito



        Há cerca de mais de cinqüenta anos foi para nós uma lição de poesia aquele poema da pedra no meio do caminho. Pelo seu despojamento. Pela sua expressividade. Por si mesmo, sem mais explicações.
        Ah! era um encanto e um gozo, na verdade vos digo, primeiro pela indiferença a todos os cânones e depois pela cara com que ficavam os canônicos.
        Nem foi por outro motivo que eu disse, em resposta a inquérito, que aquela pedra foi um marco histórico na poesia brasileira. Desde então, como depois da bomba atômica, nunca mais fomos os mesmos.
         Teria inaugurado uma arte poética?
         Nada disso. Seria o cúmulo que aquele impacto de liberdade criadora nos escravizasse a mais uma escola.
         Sim, meninos, vamos gazear todas as escolas! Nem todos sabem como isso faz bem...
        E agora, no ano em que se está festejando o sesquicentenário do grito do Ipiranga, vem muito a propósito proclamarmos - também - que poesia é independência ou morte.
     Mas quem diria que o Carlos Drummond, que lançou o grito daquela pedra, está completando terça feira 70 anos? Ninguém acredita. Que precocidade!
       Pois o fato - que nada tem com data - é que ainda o vemos na pista com a mesma agilidade com que começou. De modo que os seus fiéis, impacientes, como deve estar o próprio poeta, com esse palanque comemorativo, só se lembram de dizer, para bem de todos e particular dignidade da poesia:
        - Continue, Carlos, continue...
        E não lhe chamemos, por favor, de coisa nenhuma: seria impróprio adjetivar um poeta tão substantivo como Carlos Drummond de Andrade.
(1972)

Mario Quintana (Porta giratória, p 139)




Citando Carlos Drummond de Andrade... 


No meio do caminho
  
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Fonte: A Magia da poesia





Imagem: Carlos Drummond de Andrade ao lado de cópia da escultura do Profeta Isaías, do Aleijadinho (final da década de 30) .
Fonte: Drummond frente e verso. Rio de Janeiro: Edições Alumbramento, 1989.

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