Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava...
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições...
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho...
Oh! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!
Mario Quintana (A cor do invisível, p 58)
Citando Fabrício Carpinejar...
Não é nenhum grande ato que desperta o amor, não é um heroísmo,
uma atitude exemplar, um feito impressionante.
O que faz um homem amar uma mulher e uma mulher amar o homem é
tão pessoal, que é possível passar uma vida inteira sem desvendar o motivo. Não
é necessário ter consciência para ser feliz. Não é fundamental entender para
amar. Mas é mais bonito.
Fico me perguntando o que inspirou minha confiança na Cínthya.
Qual foi a delicadeza que ela cometeu a ponto de me viciar no convívio? O que
realizou no começo do relacionamento que mexeu comigo e não quis mais
abandoná-la?
O que ela aprontou de errado que deu tão certo? O que me pôs a
repeti-la um dia atrás do outro sem cansar? O que me seduziu de tal forma, que
entrei uma vez em sua casa com uma mochila e voltei com uma mala?
Talvez tenha sido sua simplicidade. Eu me impressiono com o que
é espontâneo. Não havia quadros em suas paredes, nem estantes. A única coisa
que estava de pé era o violão. Aquilo me emocionou: a música de sentinela. Ela
brincou:
– O violão é meu confidente, meu melhor amigo.
Inventei de dedilhar as cordas para descobrir logo seus segredos,
só que desafinei e ri envergonhado. Não estava maduro para o mistério, não
merecia ainda suas lembranças, dependia de mais cumplicidade.
Mas não foi isso, ou somente isso, sempre tem algo que se soma.
Acho que ela travou meu olhar na hora em que passeávamos de
carro pela orla do Guaíba. Estreava na rádio a canção Janta, de Marcelo Camelo
e Mallu Magalhães.
“Eu ando em frente por sentir vontade...”
Cínthya cantava sem conhecer a letra. Aprendia a letra enquanto
cantava. Longe do medo da gafe. Em voz alta, errando, tropeçando, gravando o
refrão. Completava os trechos que não entendia com melodia e dirigia as rimas
até o fim. Descobri que ela tinha coragem. Não iria temer um desafio. Mesmo que
fosse complicado como eu.
Pensando bem, me rendi no café da manhã. Quando ela me ofereceu
um saco de bolachas doces do bairro Liberdade. Eu peguei as redondas,
perfeitas, para explodi-las com exclusividade em meus dentes.
Ela não; ciscou os farelos. Optou pelas bolachas partidas. Do
fundo, recolhia os pequenos retângulos, triângulos, quadrados desiguais.
Compadecida do pouco, enamorada da miudeza.
Um gesto silencioso que me cativou. Cuidava de mim já na
primeira manhã juntos. Comia as quebradas para me deixar as inteiras. Havia
cinco ou seis bolachas intactas:
– Toma, por favor...
Reprisando nossa
vida, ela avisou, naquele momento, que nunca partiria meu coração.
Fonte: www.carpinejar.blogspot.com.br
PS: Minha admiração e sinceros agradecimentos ao atencioso Carpinejar.
Imagem: www.weheartit.com