domingo, 31 de julho de 2011

A viagem


   Quando passei o Cabo das Tormentas
   As sereias seguiram-me... E o seu canto
   Nunca fora, meu Deus, tão aliciante...
   Até acreditei, num breve instante,
   Que por algum milagre a nau transviada
   Viesse acaso sonâmbula voltando
   Às praias luminosas da alvorada...
   Mas ai de mim, esses enganos são
   Pesadelos de luz! Antes o escuro, o sossegado
   Sono...Mas uma voz: - Que dizes, nosso amor?
   Ainda que nos escutes a teu lado,
   Nós cantamos sempre no Futuro!


   Mario Quintana (Preparativos de viagem, p 21)







Imagem: www.weheartit.com

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Do espetáculo de si mesmo


     Conhecer a si mesmo é inútil, parece,
          Mas sempre diverte um pouco...
     Coisa assim como um louco que tivesse
          Consciência de que é louco.

     Mario Quintana (Espelho mágico, p 38)


Imagem: www.weheartit.com

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A voz

    


    Ser poeta não é dizer grandes coisas, mas ter uma voz reconhecível dentre todas as outras.

Mario Quintana (Caderno H, p 198)



Citando Florbela Espanca... 

Ser poeta


Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim.
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda gente!


Sonetos. Biblioteca Ulisseia de autores portugueses. p 106



Imagem: Florbela Espanca

sábado, 23 de julho de 2011

Mentira





A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.

Mario Quintana (Sapato florido, p 98)








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quinta-feira, 21 de julho de 2011

Amanhece




    Um copo de cristal
    Sobre a mesa
    Inventa as cores todas do arco-íris...

    Mario Quintana (A cor do invisível, p 134)



     Imagem: www.deviantart.com

terça-feira, 19 de julho de 2011

Da mesma idade



    A criança que brinca e o poeta que faz um poema
    Estão ambos na mesma idade mágica!

     Mario Quintana (Velório sem defunto, p 127)









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segunda-feira, 18 de julho de 2011

Passeio


Oh! não há nada como um pé depois do outro!

Mario Quintana (Sapato florido, p 109)




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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Coisas enumeradas de um a trinta e cinco - XVIII



     A voz do vento... Ninguém sabe o que o vento quer dizer... Quem me faz uma letra para a voz do vento?

Mario Quintana (Caderno H, p 210)








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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Viração



     Voa um par de andorinhas, fazendo verão. E vem uma vontade de rasgar velhas cartas, velhos poemas, velhas contas recebidas. Vontade de mudar de camisa, por fora e por dentro... Vontade... para que esse pudor de certas palavras?... vontade de amar, simplesmente.


Mario Quintana (Sapato florido, p 57)






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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Bola de cristal



    A praça, o coreto, o quiosque,
    as primeiras leituras, os primeiros
    versos
    e aquelas paixões sem fim...
    Todo um mundo submerso,
    com suas vozes, seus passos, seus silêncios
    - ai que saudade de mim!
    Deixo-te, pobre menino, aí sozinho...
    Que bom que nunca me viste
    Como te estou vendo agora
    - e é melhor que seja assim...
    Deixo-te
    com os teus sonhos de outrora, os teus livros queridos
    e aquelas paixões sem fim!
    e a praça... o coreto... o quiosque
    onde compravas revistas...
    Sonha, menino triste...
    Sonha...
    - só o teu sonho é que existe.

    Mario Quintana (A cor do invisível, p 97)





Citando Manoel de Barros... 


     Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto. Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores.




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quinta-feira, 7 de julho de 2011

Cântico



    O vento verga as árvores, o vento clamoroso da aurora...
    Tu vens precedida pelos vôos altos,
    Pela marcha lenta das nuvens.
    Tu vens do mar, comandando as frotas do Descobrimento!
    Minh'alma é trêmula da revoada dos Arcanjos.
    Eu escancaro amplamente as janelas.
    Tu vens montada no claro touro da aurora.
    Os clarins de ouro dos teus cabelos cantam na luz!

    Mario Quintana (O aprendiz de feiticeiro, p 51)








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