quinta-feira, 31 de março de 2011

Quando me perguntam




     Quando me perguntam por que não aderi a essa história de "estória", respondo (e não evasivamente) que é simplesmente porque; para mim, tudo é verdade mesmo. Acredito em tudo. Acreditar no que se lê é a única justificativa do que está escrito. Ai do autor que não der essa impressão de verdade! Que é uma história? É um fato - real ou imaginário - narrado por alguém. O contador de histórias não é um contador de lorotas. Ou, para bem frisar a diferença, o contador de histórias não é um contador de estórias. E depois, porque ei de escrever "estória" se eu nunca pronunciei a palavra desse modo? Não sou tão analfabeto assim. Parece incrível que talvez a única sugestão infeliz do mestre João Bibeiro tenha pegado por isso mesmo... Também um dia parece que Eça de Queirós se distraiu e o Conselheiro Acácio, por vingança, lhe soprou esta frase pomposa: "Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfono da fantasia". Tanto bastou para que lhe erguessem um monumento, com a citada frase perpetuada em bronze! Pobre Eça...
     O mundo é assim.

Mario Quintana (Caderno H, p 75)




Citando Fernando Pessoa...


Isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

(Mensagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p 202)



Imagem: www.deviantart.com


quarta-feira, 30 de março de 2011

Intrusão




O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.

     Mario Quintana (Caderno H, p 174)




Movimento reverso


Saudade é quando o presente,
inconformado,
corre doloridamente,
querendo ser passado.








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terça-feira, 29 de março de 2011

Confissão



    Que esta minha paz e este meu amado silêncio
    Não iludam a ninguém
    Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
    Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
    Acho-me relativamente feliz
    Porque nada de exterior me acontece...
    Mas,
    Em mim, na minha alma,
    Pressinto que vou ter um terremoto!

    Mario Quintana (Velório sem defunto, p 69)




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segunda-feira, 28 de março de 2011

Do conhecimento



     Tudo já está nas enciclopédias e todas dizem as mesmas coisas. Nenhuma delas nos pode dar uma visão inédita do mundo. Por isso é que leio os poetas. Só com os poetas se pode aprender algo novo.

Mario Quintana (Caderno H, p 363)




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domingo, 27 de março de 2011

Perversidade




     Alguém me disse, com a voz embargada, que agora sim, estava convencido da existência de Deus, porque os trabalhos psicografados de Humberto de Campos eram evidentemente dele mesmo.
     - Mas isto não prova a existência de Deus... Prova a existência de Humberto de Campos.

Mario Quintana (A vaca e o hipogrifo, p 134)






Citando Humberto de Campos (1)... 

De pé, os mortos!

          Pede-me você uma palavra para o intróito do “Parnaso de Além-Túmulo”, que aparecerá brevemente em nova edição. (2)
          A tarefa é difícil. Nas minhas atuais condições de vida, tenho de destoar da opinião que já expendi nas contingências da carne.
          Os vivos do Além e os vivos da Terra não podem enxergar as coisas através de prismas idênticos. Imagine se o aparelho visual do homem fosse acomodado, segundo a potencialidade dos raios X: as cidades estariam povoadas de esqueletos, os campos se apresentariam como desertos, o mundo constituiria um conjunto de aspectos inverossímeis e inesperados.
           Cada esfera da vida está subordinada a certo determinismo, no domínio do conhecimento e da sensação.
            Decerto, os que receberem novamente o “Parnaso de Além-Túmulo” dirão mais ou menos o que eu disse (3). Hão de estranhar que os mortos prossigam com as mesmas tendências, tangendo os mesmos assuntos que aí constituíam a série de suas preocupações.
         Existem até os que reclamam contra a nossa liberdade. Desejariam que estivéssemos algemados nos tormentos do inferno, em recompensa dos nossos desequilíbrios no mundo, como se os nossos amargores, daí não bastassem para nos inclinar à verdade compassiva.
             Individualmente, é indubitável que possuímos no Além o reflexo das nossas virtudes ou das nossas misérias.
             Mas é razoável que apareçamos no mundo, gritando como alucinados? 
          Os habitantes dos reinos da Morte ainda apreciam o decoro e a decência, e o nosso presente é sempre a experiência do passado e a esperança no futuro.
          “Parnaso de Além-Túmulo” sairá de novo, como a mensagem harmoniosa dos poetas que amaram e sofreram. Cármen Cinira aí está com os seus sonhos desfeitos, de mulher e de menina. Casimiro com a sua sensibilidade infantil, Junqueiro com a sua ironia, Antero com a sua rima austera e dolorosa. 
              Todos aí estão dentro das suas características.
              Os mortos falam e a Humanidade está ansiosa, aguardando a sua palavra.
             Conta-se  que  na  guerra russo-japonesa,  terminada  a batalha de Tsushima, o grande Togo reuniu os seus soldados no cemitério de Oogama, e na tristeza majestosa do ambiente. em nome da nacionalidade, dirigiu-se aos mortos em termos comovedores; concitou-os a auxiliar as manobras militares, a visitar os cruzadores de guerra, levantando o ânimo dos companheiros que haviam ficado nas pelejas.
             Uma claridade nova cantou as energias espirituais do valente adversário da pátria de Stoessel e os filhos de Yoritomo venceram.
            Na atualidade,  afigura-se-nos que os brados de todos os sofredores e infelizes da Terra se concentram numa súplica grandiosa que invade as vastidões como o grito do valoroso almirante.
             – De pé, os mortos!... – exclama-se – porque os vivos da Terra se perdem nos abismos tenebrosos.
              Os institutos da  Civilização têm sido impotentes para resolver o problema do nosso ser e dos nossos destinos.
            As  filosofias  e  as  religiões estenderam  sobre  nós  o  manto  carinhoso das suas concepções,  mas esses  mantos estão rotos!...
Temos frio, temos fome, temos sede!
              E os considerados mortos falam ao mundo na sua linguagem de estranha purificação. A Ciência, zelosa de suas conquistas, ainda não ouviu a sua vibração misteriosa, mas os filhos do infortúnio sentem-se envolvidos na onda divina de um novo Glória in excelsis, e a Humanidade sofredora sente-se no caminho consolador da sublime esperança.


(Extraído do livro "Parnaso de Além-Túmulo". 4a edição, p. 21, pelo espírito de Humberto de Campos, psicografado por Francisco Cândido Xavier)




(1) HUMBERTO DE CAMPOS Veras, escritor brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras, nascido em Miritiba (hoje Humberto de Campos), MA, em 1886, e desencarnado no Rio de Janeiro, em 1934. Foi jornalista e deputado federal. Produção literária variada quão vultosa, conheceu em vida física a 1ª edição do Parnaso de Além-Túmulo, manifestando-se a respeito dela pelo “Diário Carioca”, edições de 10 e 12 de julho de 1932, com os artigos intitulados “Poetas do outro mundo” e “Como cantam os mortos” (apud “A Psicografia ante os Tribunais”, de Miguel Timponi, páginas 60 a 64, 4ª ed. FEB). Liberto dos liames da carne, dois anos depois passou ele a valer-se, como Espírito, das faculdades mediúnicas de Francisco Cândido Xavier para a transmissão de importantes mensagens, como a que se inseriu nesta página, acoplada ao mesmo “Parnaso” que ele conhecera aqui na Terra e oriunda do mesmo “Além-Túmulo” por ele tenuemente vislumbrado, entre o assombro e a esperança, Ditou-nos 12 livros, sendo 9 sob o pseudônimo de Irmão X, editados pela FEB. Vale destacar “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, já em 9ª edição, o livro confirmador da missão espiritual do Brasil, que é a de levar as luzes do Evangelho do Cristo a todos os quadrantes do Mundo, visando à cristianização da Humanidade, sob a orientação do Anjo Ismael, o Legado do Governador Espiritual do Planeta em Terras de Santa Cruz. 
(2) Refere-se à 2ª edição, publicada em 1935. 
(3) Alude às crônicas que ele, quando encarnado, escrevera no Diário Carioca, em julho de 1932, ao surgir a 1ª edição do Parnaso. 




Imagem: www.deviantart.com

sexta-feira, 25 de março de 2011

Da mediocridade



     Nossa alma incapaz e pequenina
     Mais complacência que irrisão merece.
     Se ninguém é tão bom quanto imagina,
     Também não é tão mau como parece.

     Mario Quintana (Espelho mágico, p 33)



      Imagem: Fernando Botero ("Bailarina na Barra", 1984)

quinta-feira, 24 de março de 2011

Vidinha




     O mais triste de um passarinho engaiolado é que ele se sente bem...

Mario Quintana (Caderno H, p 332)







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quarta-feira, 23 de março de 2011

Canção de outono

    (para Salim Daou)


                              
    O outono toca realejo
    No pátio da minha vida.
    Velha canção, sempre a mesma,
    Sob a vidraça descida...

    Tristeza? Encanto? Desejo?
    Como é possível sabê-lo?
    Um gozo incerto e dorido
    De carícia e contrapelo...

    Partir, ó alma, que dizes?
    Colher as horas, em suma...
    Mas os caminhos do Outono
    Vão dar em parte nenhuma!

    Mario Quintana (Canções, p 31)








Imagem: www.deviantart.com

terça-feira, 22 de março de 2011

O guarda-chuva



Mas o mais infiel dos animais domésticos é o guarda-chuva.

Mario Quintana (Caderno H, p 343)







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segunda-feira, 21 de março de 2011

Da boa e da má ignorância



     A ignorância rasa e simples é coisa honesta e conserva desanuviado o entendimento. Mas Deus te livre, meu filho, da ignorância complicada.

Mario Quintana (Porta giratória, p 110)




Imagem: www.deviantart.com

domingo, 20 de março de 2011

Manifestações de amor



     Uma das mais deliciosas manifestações de amor é a falta de respeito.

Mario Quintana (Porta giratória, p 136)








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sábado, 19 de março de 2011

Coincidência




Às vezes a gente pensa que está dizendo bobagem e está fazendo poesia.

Mario Quintana (Porta giratória, p 135)







Citando Eça de Queiroz... 


[...] E Luísa tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações! [...]

(O primo Basílio. São Paulo: Ática, 1994, p. 134.)







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sexta-feira, 18 de março de 2011

Constelações


  

     Cruzeiros, Carros, até a Ursa, a maior e a menor, a Cabeleira de Berenice, a Lira, a Balança, o Cão... quanta bobagem descobriram no Céu esses astrônomos birutas! Eu, de ignorante, quando olho o Céu, não vejo nada disso. Apenas vou traçando o teu nome com as estrelas.

Mario Quintana (Caderno H, p 186)





quinta-feira, 17 de março de 2011

A bela e o dragão


     As coisas que não têm nome assustam, escravizam-nos, devoram-nos... Se a bela faz de ti gato e sapato, chama-lhe, por exemplo, A BELA DESDENHOSA. E ei-la rotulada, classificada, exorcismada, simples marionete agora, com todos os gestos perfeitamente previsíveis, dentro do seu papel de boneca de pau. E no dia em que chamares a um dragão de JOLI, o dragão te seguirá por toda parte como um cachorrinho...

Mario Quintana (Sapato florido, p 73)



Imagem: www.deviantart.com

quarta-feira, 16 de março de 2011

Canção da chuva e do vento

     
                      
    Dança, Velha. Dança. Dança.
    Põe um pé. Põe outro pé.
    Mais depressa. Mais depressa.
    Põe mais pé. Pé. Pé.

    Upa. Salta. Pula. Agacha.
    Mete pé e mete assento.
    Que o velho agita, frenético,
    O seu chicote do vento.

    Mansinho agora, mansinho.
    Até de todo caíres...
    Que o Velho dorme de velho...
    Sob os arcos do Arco-íris.

    Mario Quintana (Canções, p 52)




Citando Fabio Rocha...

Vento forte
(para Mario Quintana)


O vento aqui não pára.

Nem um segundo,
nem um pouquinho.

Ah, se eu fosse moinho...











Imagem: www.deviantart.com

terça-feira, 15 de março de 2011

Da viuvez



        Ele está morto. Ela, aos ais.
        Mas, neste lúgubre assunto,
        Quem fica viúvo é o defunto...
        Porque esse não casa mais.

        Mario Quintana (Espelho mágico, p 53)


           Imagem: www.deviantart.com

segunda-feira, 14 de março de 2011

Os nomes




     Como não lhes interessa o que parece inútil, os campônios não dão importância às flores do campo. É o que parece. Mas a gente fica a perguntar-se como é que essas flores silvestres conseguiram então ter nomes populares: margaridas, amores-perfeitos, coisas assim!

Mario Quintana (Porta giratória, p 33)




Imagem: Karl Schreiner Photographic

domingo, 13 de março de 2011

Feliz!




     Deitado no alto do carro de feno... com os braços e as pernas abertos em X... e as nuvens, os vôos passando por cima... Por que estradas de abril viajei assim um dia? De que tempos, de que terras guardei essa antiga lembrança, que talvez seja a mais feliz das minhas falsas recordações?

Mario Quintana (Sapato florido, p 55)



Imagem: Mike Goulty

sábado, 12 de março de 2011

Estufa

  


     Que imaginação depravada têm as orquídeas! A sua contemplação escandaliza e fascina. Vivem procurando e criando inéditos coloridos, e estranhas formas, combinações incríveis, como quem procura uma volúpia nova, um sexo novo...

Mario Quintana (Sapato florido, p 68)



Imagem: www.deviantart.com

sexta-feira, 11 de março de 2011

A arte de viver


    A arte de viver
    É simplesmente a arte de conviver...
    Simplesmente, disse eu?
    Mas como é difícil!

    Mario Quintana (Velório sem defunto, p 35)



Imagem: www.deviantart.com

quinta-feira, 10 de março de 2011

Pudor



     Se a tua vida não puder ser uma tragédia grega - por amor de Deus! - não a faças um tango argentino...

Mario Quintana (Caderno H, p 368)









Imagem: www.weheartit.com

quarta-feira, 9 de março de 2011

A poesia é necessária



  
     Título de uma antiga seção do velho Braga na Manchete. Pois eu vou mais longe ainda do que ele. Eu acho que todos deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus. É preferível, para a alma humana, fazer maus versos a não fazer nenhum. O exercício da arte poética é sempre um esforço de auto-superação e, assim, o refinamento do estilo acaba trazendo a melhoria da alma.
     E, mesmo para os simples leitores de poemas, que são todos eles uns poetas inéditos, a poesia é a única novidade possível. Pois tudo já está nas enciclopédias, que só repetem estupidamente, como robôs, o que lhes foi incutido. Ou embutido. Ah, mas um poema, um poema é outra coisa...

Mario Quintana (A vaca e o hipogrifo, p 259)





Citando Antônio Cláudio de Araújo Júnior... 

Poema

Poema que é poema
ninguém lê até o final
verdade é que
ainda no primeiro verso
ou já o poema é outro
ou já quem lê é outro

Porque meus olhos
ainda vão mudar o mundo
nem que seja só o meu.