sábado, 29 de setembro de 2012

Brasa dormida





   Da minha vida, o que eu me lembro
   É uma
   Sucessão de janelas fechadas
   Nalgum país de sonho...

   Apago-me, suponho,
   Como as luzes de uma festa.

   Ah! uma coisa resta,
   Misterioso reflexo no escuro:

   Teus lábios úmidos como frutos mordidos!

   Mario Quintana (Preparativos de viagem, p. 131)





 Citando Fernando Pessoa...


    FOI UM momento
   O em que pousaste
   Sobre o meu braço,
   Num movimento
   Mais de cansaço
   Que pensamento,
   A tua mão 
   E a retiraste.
   Senti ou não?

   Não sei. Mas lembro
   E sinto ainda
   Qualquer memória
   Fixa e corpórea
   Onde pousaste
   A mão que teve
   Qualquer sentido
   Incompreendido,
   Mas tão de leve!...

   Tudo isto é nada,
   Mas numa estrada
   Como é a vida
   Há muita coisa 
   Incompreendida...

   Sei eu se quando
   A tua mão
   Senti pousando
   Sobre o meu braço,
   E um pouco, um pouco,
   No coração,
   Não houve um ritmo
   Novo no espaço?

   Como se tu
   Sem o querer,
   Em mim tocasses
   Para dizer
   Qualquer mistério,
   Súbito e etéreo,
   que nem soubesses
   Que tinha ser.

   Assim a brisa
   Nos ramos diz
   Sem o saber
   Uma imprecisa
   Coisa feliz.


(Mensagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p 228)








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