sábado, 14 de julho de 2012

Velha história




     Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente e tinha um azulado tão indescritível nas escamas que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no  quente. E desde então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no "17"! - o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando o peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial...
     Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio, onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho:
     "Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!...”
              Dito isto, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez um redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado...

Mario Quintana (Antologia Poética, p.43)








Imagem: www.weheartit.com

domingo, 8 de julho de 2012

Um pé depois do outro




          Será do tempo? Será do quê? Os meus sapatos rincham, os meus sapatos cantam de alegria. E eu vou andando e aguardando cá de cima - que o seu oculto motivo chegue afinal até meu coração.

Mario Quintana (Caderno H, p 276)





Citando Cecília Meireles... 


Transformação do dançarino
  
Nasce da sombra o dançarino,
de um ovo de seda e mistério.
E seu perfil é transparente
e sua carne é a de um inseto.


E eu o amo como às borboletas,
à asa das libélulas, e erro
no seu mundo sem solo, reino
que se vai tornando sidéreo.


Suas tênues mãos nada tocam,
e olha entre verdes águas, cego.
Cada posição de seu corpo
é um símbolo instantâneo e hermético.


Toma nos lábios o silêncio
e é um peixe bebendo o mar, quieto.
Gira e, súbito se divide,
como espelho que cai de um prego.


(Poesias Completas de Cecília Meireles, Volume II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973. p 172)




 


Imagem: www.weheartit.com