quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Viver


     Quem nunca quis morrer
     Não sabe o que é viver
     Não sabe que viver é abrir uma janela
     E pássaros pássaros sairão por ela
     E hipocampos fosforescentes
     Medusas translúcidas
     Radiadas
     Estrelas-do-mar... Ah,
     Viver é sair de repente
     Do fundo do mar
     E voar...
                  e voar...
                              cada vez mais para o alto
     Como depois de se morrer!

     Mario Quintana (Baú de espantos, p 87)








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domingo, 15 de janeiro de 2012

O último poema



     Enquanto me davam a extrema-unção,
     Eu estava distraído...
     Ah, essa mania incorrigível de estar pensando sempre noutra coisa!
     Aliás, tudo é sempre outra coisa
     - segredo da poesia -
     E, quando a voz do padre zumbia como um bezouro,
     Eu pensava era nos meus primeiros sapatos
     Que continuam andando, que continuam andando,
     Até hoje
     Pelos caminhos deste mundo.

     Mario Quintana (Preparativos de viagem, p 127)


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domingo, 8 de janeiro de 2012

Uma alegria para sempre

(para Elena Quintana)




     As coisas que não conseguem ser
     olvidadas continuam acontecendo.
     Sentimo-las como da primeira vez,
     sentimo-las fora do tempo,
     nesse mundo do sempre onde as
     datas não datam. Só no mundo do nunca
     existem lápides... Que importa se -
     depois de tudo - tenha "ela" partido,
     casado, mudado, sumido, esquecido,
     enganado ou que quer que te haja
     feito em suma? Tiveste uma parte da
     sua vida que foi só tua e, esta, ela
     jamais a poderá passar de ti para ninguém.
     Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
     ao contrário do que pensas,
     fazem parte da tua vida presente
     e não do teu passado. E abrem-se no teu
     sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
     estiveres sorrindo a outras coisas.
     Ah, nem queiras saber o quanto
     deves à ingrata criatura...
     A thing of beauty is a joy for ever
     - disse, há cento e muitos anos, um poeta
     inglês que não conseguiu morrer.

     Mario Quintana (Baú de espantos, p 118)









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