terça-feira, 23 de agosto de 2011

O pássaro pi-i



     O pássaro pi-i só pode viajar aos pares e por isso é o símbolo dos namorados - pois um deles só tem a asa do lado direito e o outro só tem a asa do lado esquerdo: só bem juntinhos é que podem voar!

Mario Quintana (Porta giratória, p 144)





Citando Cecília Meireles... 


Pássaro
  
AQUILO que ontém cantava
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.


Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.


Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.


Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.


(Cecília Meireles - Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1973. p 30)








Imagem: www.freepik.com

domingo, 21 de agosto de 2011

Canção de vidro



    E nada vibrou...
    Não se ouviu nada...
    Nada...

    Mas o cristal nunca mais deu o mesmo som.

    Cala, amigo...
    Cuidado, amiga...
    Uma palavra só
    Pode tudo perder para sempre...
    E é tão puro o silêncio agora!

    Mario Quintana (Canções, p 26)



Imagem: www.deviantart.com

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Verso avulso



A vida não dá tempo para a Vida.

Mario Quintana (Porta giratória, p 59)










Imagem: www.weheartit.com

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Pergunta inocente



     Mas se as bruxas têm tantos poderes - por que serão tão velhas, tão feias, tão pobres, tão sujas?

Mario Quintana (Porta giratória, p 127)


Imagem: www.weheartit.com

sábado, 13 de agosto de 2011

Canção de ballet

   

   Ele sozinho passeia
   Em seu palácio invisível.
   Linda moça risca um riso
   Por trás do muro de vidro.

   Risca e foge, num adejo.
   Ele pára, de alma tonta.
   Um beijo brota na ponta
   Do galho do seu desejo.

   E pouco a pouco se achegam.
   Põem a alma contra a palma.
   Mas o frio, o frio de vidro
   Lhe penetra a própria alma!

   "Ai do meu Reino Encantado,
   Se tudo aqui é impossível...
   Pra que palácio invisível
   Se o mundo está do outro lado?"

   E inda busca, de alma louca,
   Aquele lábio vermelho.
   Ai, o frio da própria boca!
   O amor é um beijo no espelho...

   Beija e cai, como um engonço,
   Todo desarticulado...
   Linda moça, como um sonho,
   Se dissipa do outro lado...


   Mario Quintana (Canções, p 45)





Citando Carlos Drummond de Andrade... 


A língua girava no céu da boca
  
A língua girava no céu da boca. Girava! Eram duas bocas, no céu único.
O sexo deprendera-se de sua fundação, errante imprimia-nos seus traços de cobre. Eu, ela, elaeu.
Os dois nos movíamos possuídos, trespassados, eleu. A posse não resultava de ação e doação, nem nos somava. Consumia-nos em piscina de aniquilamento. Soltos, fálus e vulva no espaço cristalino, vulva e fálus em fogo, em núpcia, emancipados de nós.
A custo nossos corpos, içados do gelatinoso jazigo, se restituíram à consciência. O sexo reintegrou-se. A vida repontou:  a vida menor.


Fonte: Projeto Releituras









Imagem: Gustav Klimt ("O beijo", 1907-08)
 

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Luz própria





     Os sonhos têm luz própria, uma luz que não vem de nenhum sol, de nenhuma lua, de nenhum foco. Está em toda parte. Na próxima vez que sonhares, procura ver se o teu vulto projeta alguma sombra. E se a tua imagem se reflete nalgum espelho. Tolice minha! Nos salões dos sonhos nunca há espelhos...

Mario Quintana (Caderno H, p 262)


Imagem: www.weheartit.com

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Coisas enumeradas de um a trinta e cinco - XVII



A rede das estrelas é uma incômoda teia de aranha sobre a face da Eternidade.

Mario Quintana (Caderno H, p 210)


Imagem: Mark A. Payton

domingo, 7 de agosto de 2011

Do amoroso esquecimento




    Eu, agora, - que desfecho!
    Já nem penso mais em ti...
    Mas será que nunca deixo
    De lembrar que te esqueci?

    Mario Quintana (Espelho mágico, p 49)










Imagem: www.deviantart.com

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A laranja


   A laranja cortada ao meio,
   Úmida de amor, anseia pela outra...
   É assim, é bem assim que eu te desejo!

   Mario Quintana (Preparativos de viagem, p 117)







Imagem: www.weheartit.com