terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sonho


     Um poema que, ao lê-lo, nem sentirias que ele já estivesse escrito, mas que fosse brotando, no mesmo instante, de teu próprio coração.

Mario Quintana (Caderno H, p 241)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

XXXIII


     Se não fosse Van Gogh, o que seria do amarelo?

Mario Quintana (Caderno H, p 213)




Imagem: Vincent van Gogh ("Vaso com doze girassóis", 1889)

domingo, 28 de novembro de 2010

Trecho de diário


    Hoje me acordei pensando em uma pedra numa rua de Calcutá.
    Numa determinada pedra em certa rua de Calcutá.
    Solta. Sozinha. Quem repara nela?
    Só eu, que nunca fui lá,
    Só eu, deste lado do mundo, te mando agora este pensamento...
    Minha pedra de Calcutá!

    Mario Quintana (Antologia Poética, p 96)




sábado, 27 de novembro de 2010

Canção do dia de sempre

   (para Norah Lawson)


   Tão bom viver dia a dia...
   A vida, assim, jamais cansa...

   Viver tão só de momentos
   Como essas nuvens do céu...

   É só ganhar, toda a vida,
   Inexperiência... esperança...

   E a rosa louca dos ventos
   Presa à copa do chapéu.

   Nunca dês um nome a um rio:
   Sempre é outro rio a passar.

   Nada jamais continua,
   Tudo vai recomeçar!

   E sem nenhuma lembrança
   Das outras vezes perdidas,
   Atiro a rosa do sonho
   Nas tuas mãos distraídas...

   Mario Quintana (Canções, p 47)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Nada sobrou


     As pessoas sem imaginação podem ter tido as mais imprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas... Nada lhes ficou. Nada lhes sobrou. Uma vida não basta apenas ser vivida: também precisa ser sonhada.

Mario Quintana (Caderno H, p 364)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Do bem e do mal

                                                     
     No fundo, não há bons nem maus. Há apenas os que sentem prazer em fazer o bem e os que sentem prazer em fazer o mal. Tudo é volúpia...

Mario Quintana (Caderno H, p 352)


Imagem: www.dreamstime.com

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Confusão


     Essas duas tresloucadas, a Saudade e a Esperança, vivem ambas na casa do Presente, quando deviam estar, é lógico, uma na casa do Passado e a outra na casa do Futuro. Quanto ao Presente - ah! - este nunca está em casa.

Mario Quintana (A cor do invisível, p 230)




terça-feira, 23 de novembro de 2010

Noturno arrabaleiro


    Os grilos... os grilos... Meu Deus, se a gente
    Pudesse
    Puxar
    Por uma
    Perna
    Um só
    Grilo,
    Se desfiariam todas as estrelas!

    Mario Quintana (A cor do invisível, p 137)



segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Da alma


A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.

Mario Quintana (Caderno H, p 242)




domingo, 21 de novembro de 2010

O amigo


     Amigo é a criatura que escuta todas as nossas coisas sem aquela cara que parece estar dizendo: - E eu com isso?

Mario Quintana (Caderno H, p 91)






Imagem: www.zwani.com

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O futuro


    Na bola de cristal procuro o meu futuro:
    futuro tão brilhante que aos olhos me faz mal...
    Não, não esse brilho fácil das girândolas,
    mas uma súbita, silenciosa explosão de cores
    - prenúncio da total
    subversão! -
    até que então o Grande Mágico
    regendo o novo Caos
    (... e mesmo porque nada pode ser destruído...)
    até que o Grande Mágico
    - afinal -
    com todos os espantosos subprodutos da última Bomba H
    recomponha o milagre de cada indivíduo!

    Mario Quintana (A cor do invisível, p 40)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Vento


Havia uma escada que parava de repente no ar
Havia uma porta que dava para não se sabia o quê
Havia um relógio onde a morte tricotava o tempo

Mas havia um arroio correndo entre os dedos buliçosos dos pés
E pássaros pousados na pauta dos fios do telégrafo

E o vento!

O vento que vinha desde o princípio do mundo
Estava brincando com teus cabelos...

Mario Quintana (Antologia Poética, p 74)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Da Inquieta Esperança


Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dês o Céu... quero é sonhar com ele
       Na inquietação feliz do Purgatório.

Mario Quintana (Antologia Poética, p 47)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Paz


Os caminhos estão descansando.

Mario Quintana (A vaca e o hipogrifo, p 236)




Citando Fabio Rocha...


Paz

Vou sem pressa
para a casa
que há em mim.







segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Da Perfeição da Vida


Por que prender a vida em conceitos e normas?
O Belo e o Feio... o Bom e o Mau... Dor e Prazer...
      Tudo, afinal, são formas
      E não degraus do Ser!

Mario Quintana (Antologia Poética, p 52)

domingo, 14 de novembro de 2010

O Tempo




    O despertador é um objeto abjeto.
    Nele mora o Tempo. O Tempo não pode viver sem nós, para não parar.
    E todas as manhãs nos chama freneticamente como um velho paralítico a tocar a
                                                                                                     [campainha atroz.
    Nós
    é que vamos empurrando, dia a dia, sua cadeira de rodas.
    Nós, os seus escravos.
    Só os poetas
    os amantes
    os bêbados
    podem fugir
    por instantes
    ao Velho... Mas que raiva impotente dá no Velho
    quando encontra crianças a brincar de roda
    e não há outro jeito senão desviar delas a sua cadeira de rodas!

    Porque elas, simplesmente, o ignoram...

    Mario Quintana (Antologia Poética, p 89)








Imagem: Salvador Dalí ("A persistência da memória", 1931)

sábado, 13 de novembro de 2010

Compensação



     E, quando o trem passa por esses ranchinhos à beira da estrada, a gente pensa que é ali que mora a felicidade...

Mario Quintana (A vaca e o hipogrifo, p 63)


Imagem: Lu Tostes

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Elegia


    Há coisas que a gente não sabe nunca o que fazer com elas...
    Uma velhinha sozinha numa gare.
    Um sapato preto perdido do seu par: símbolo
    Da mais absoluta viuvez.
    As recordações das solteironas.
    Essas gravatas
    De um mau-gosto tocante
    Que nos dão as velhas tias.
    As velhas tias.
    Um novo parente que se descobre.
    A palavra "quincúncio".
    Esses pensamentos que nos chegam de súbito nas ocasiões mais impróprias.
    Um cachorro anônimo que resolve ir seguindo a gente pela madrugada na cidade deserta.
    Este poema, este pobre poema
    Sem fim...

    Mario Quintana (Antologia Poética, p 78) 

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Das Corcundas


    As costas de Polichinelo arrasas
    Só porque fogem das comuns medidas?
    Olha! quem sabe não serão as asas
    De um Anjo, sob as vestes escondidas...

    Mario Quintana (Antologia Poética, p 48)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Poema datado

(para Armindo Trevisan)


Oh! este vento azul de primavera!
E o céu tão límpido, lá-alto...
Nem sei por que fui olhar para o chão.
Mas encontrei na rua um lápis verde,
Com borracha na ponta!
Para emendar fatais tolices, creio...
Mas não emendo, não...
Eu vou-as escrevendo
Tal como as dita o coração relapso!
Era ao sair da escola.
O azul era tão límpido
E só sei que meu vulto refletia-se
Não em claros arroios matinais
(que os não via)
Mas no cristal dos olhos das meninas
E neles se lavava este pecado
(venial)
De estar... não sei como vos diga... tão
Assim.
Lavava-se todo, todo o meu passado.
Passado? Que passado, meu Deus,
Nunca tive passado!
Enfim...
Não sei por que
Me sentia perdoado não sei de quê
Nesse
Dia
Maravilhoso
De setembro de 1957
Em que encontrei na rua um lápis verde
Para o bem de meus pecados!

Mario Quintana (A cor do invisível, p 77)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Poema


Oh! aquele menininho que dizia
"Fessora, eu posso ir lá fora?"
mas apenas ficava um momento
bebendo o vento azul...
Agora não preciso pedir licença a ninguém.
Mesmo porque não existe paisagem lá fora:
somente cimento.
O vento não mais me fareja a face como um cão amigo...
Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.

Mario Quintana  (A vaca e o hipogrifo, p 152)

Oração


    Dai-me a alegria
    Do poema de cada dia.
    E que ao longo do caminho
    Às almas eu distribua
    Minha porção de poesia
    Sem que ela diminua...
    Poesia tanta e tão minha
    Que por uma eucaristia
    Possa eu fazê-la sua
    "Eis minha carne e meu sangue!"
    A minha carne e meu sangue
    Em toda a ardente impureza
    Deste humano coração...
    Mas, ó Coração Divino,
    Deixai-me dar de meu vinho,
    Deixai-me dar de meu pão!
    Que mal faz uma canção?
    Basta que tenha beleza...

    Mario Quintana  (A cor do invisível, p 142)